18.11.09

Gil, cidadão do mundo (perguntas não publicadas)

Em julho, entrevistei Gilberto Gil para fazer um balanço de sua carreira, à partir do exílio em Londres. Três perguntas ficaram de fora. Conteúdo na íntegra postado abaixo. (Foto: Luiza Sigulem)

Em defesa dos tropicalistas, acusados pelo dramaturgo Chico de Assis de reacionários e indiferentes a seriedade do momento que viviam, Décio Pignatari replicou - em debate ao Jornal Folha da Tarde -, que: “...a guerrilha foi criada com audácia e música também se cria com audácia” Nesse ambiente livre de hoje, onde se cria, registra e distribui música do próprio computador de casa, você acredita que algo realmente audacioso esteja por surgir na esfera de nossa música popular? Arrisca indicar possíveis caminhos e protótipos a quem busca romper com este aparente marasmo vigente?


Gilberto Gil: Acho que sim, porquê, mesmo que essas disponibilidades atuais de acesso a técnicas instrumentais, possam levar-nos a um fastio, uma sensação de vazio, de empobrecimento, de mesmice, é exatamente por isso que essa sensação se instala de algum momento de forma muito forte e ampla e atingindo muita gente. A revolta contra isso vai surgir. É sempre assim. Alguém vai desafinar o coro, de novo, fazer alguma coisa. O que, talvez, torne mais dificil a percepção disso ou desse momento - quando esse momento chega, se já chegou, quem encarna esse momento - a dificuldade de tudo isso é que, diferentemente das tencologias anteriores, essas tecnologias de agora permitem que essas coisas aconteçam, concomitantemente, de forma muito pulverizada. A própria reação a este imperativo tecnológico de hoje já é absorvida por este imperativo tecnológico. A capacidade de revolta, de rebelião, de contestação, já é parte do próprio processo. É como os comentaristas filosóficos contemporânos dizem: não há o lado de fora. Não há nada que você possa, de repente, dizer: isso aqui está de fora, isto aqui se coloca fora, porquê está tudo do lado de dentro. Vamos ver em que momento a gente vai perceber que alguma coisa está do lado de fora, de novo. Quando é que isso vai acontecer. É uma expectativa. Vai ser surpreendente, vai ser interessante, mas é difícil vislumbrar, hoje, pois tudo que se faz, todo desvio de norma, toda esquisitice, tudo, hoje, tem um espaço nessa interioridade abrangente da terra que nós vivemos.

No show que acompanhamos, você se referiu a seu último álbum Banda Larga Cordel como um pós-álbum. Poderia esclarecer este conceito?

Gilberto Gil: Já na época de lançamento de Banda Larga Cordel, em uma reportagem ao Correio da Bahia, falo claramente que a intenção ali era procurar novos caminhos, exatamente não escolhendo um elemento conceitual que costurasse as canções todas, não tendo, necessariamente, a necessidade de escolher uma faixa para abrir ou prá fechar o disco, uma canção de trabalho. Toda esta aleatoriedade acabou marcando a vida do disco eu acho que tudo isso já é uma admissão muito clara de que o pós-álbum está aí, muito claramente. Pessoas querendo comprar canções separadamente, uma, duas, três, quatro, cinco, seis. Qual é o significado que vai ter, daqui a pouco tempo, o fato de você ter doze músicas em um álbum? Qual vai ser o significado do álbum? A não ser em casos de genialidade, como é o do Caetano, onde o empenho, mais o talento podem dar conta de manter uma estrutura fechada em um meio aberto a questão está aí como um desafio para nós, artistas.

Falamos, há pouco, de Jorge Benjor e tem uma canção de Orlandivo que se chama Um abraço no Bengil, que homenageia você e ele . Quando ouvi seu filho Bem ser apresentado como Bem Gil, no show que encerrou a turnê Banda Larga Cordel, em Osasco, não sabia a grafia correta do nome, e me veio, de imediato, a lembrança desta canção. Fiquei curioso em saber se você pensou na música, quando deu nome ao menino. Talvez uma espécie de alusão a homenagem que, ao mesmo tempo, não deixaria de ser uma homenagem a Jorge?

Gilberto Gil: Não, não é. Tanto que eu acho que não lembro desta música. Me lembro muito bem do Orlandivo “... sentado na calçada de canudo e canequinha” (cantarola em alusão à música Bolinha de Sabão, de Orlandivo e Adilson Azevedo). Gostava muito do Orlandivo. Ele preprava esta fusão entre o funk, a bossa e o samba que o Tim Maia veio depois manifestar de forma mais explícita abrindo caminho prá essa turma toda: Cláudio Zoli, Carlos Dafé, Bebeto, O Orlandivo já era precursor de tudo isso, mas o nome do Bem não tem referência a isso, não. Vou até recuperar, vou procurar esta canção.

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