3.11.09

Kung Fu à italiana*

Subestimado por Jackie Brown, Quentin Tarantino volta a tumultuar o mundo do cinema com dois novos filmes: Kill Bill Vols. 1 e 2

Quase uma década após conquistar a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de melhor roteiro original com o anárquico Pulp Fiction, seis anos após seu último filme atrás das câmeras, Jackie Brown, o celebrado diretor americano Quentin Tarantino voltará, ainda este semestre, às telas brasileiras com Kill Bill vol. 1, filme que pratica uma mistura inimaginável de gêneros para contar, em dois “volumes”, a saga vingativa da personagem A Noiva, interpretada pela atriz Uma Thurman. O retorno triunfal é bastante oportuno para uma revisão da obra do diretor, que completou 41 anos, recentemente.

Cinéfilo compulsivo e devorador de gêneros tão distintos como a Blaxploitation, a Nouvelle Vague (sua produtora Band-a-Part é uma referência ao filme de Godard), os filmes de artes marciais da Shaw Brothers e os western-Spagetthi do mestre Sergio Leone, Tarantino instaurou um novo estilo que, indiscriminadamente, dialoga em ritmo frenético de metalinguagem com tudo de mais comercial e experimental, de melhor e de pior que foi produzido ao longo deste primeiro centenário de sétima arte.

À partir de Cães de Aluguel (Reservoir Dogs) o diretor entrou em escala ascendente e com o triunfo de Pulp Fiction, em Cannes, seu nome passou de simples referência do melhor cinema independente produzido na américa, dos anos 1990, para tornar-se um adjetivo recorrente. O que, à princípio, parecia um justo reconhecimento ao talento genial de um jovem diretor que colocaria hollywood e suas velhas convenções de pernas prá cima, rapidamente, tornou-se uma epidemia. Não tardou para que diretores dos mais conservadores começassem a tingir páginas de roteiro com rasas paródias dos impagáveis diálogos de Tarantino e o pior, sob o rótulo de cinema independente, qualquer porcaria com duas ou três seqüências, supostamente transgressoras, passou a ganhar o status de cult movie. Exemplo maior é o filme Amor-à-Queima Roupa (True Romance) que, embora baseado em argumento e roteiro original do próprio Tarantino, por si só não foi capaz de transformar o medíocre Tonny Scott de Ases Indomáveis (TopGun), em um diretor respeitado.

O próprio Tarantino, parecendo prever que o excesso de exposição poderia ser demasiadamente prejudicial a sua reputação de enfant-terrible de Hollywood, depois do estrondoso sucesso de Pulp Fiction - inimaginável para um filme de três horas, com narrativa fragmentada e repleto de situações absurdas -, abandonou a direção, por três anos, envolvendo-se em parcas aparições como ator e assinando roteiros. Em 1997, Tarantino filmou Jackie Brown, cuja protagonista presenteou e tirou da obscuridade a atriz Pam Grier, musa dos filmes com temática blaxploitation dos anos 1970. Criticado por ser narrativamente mais conservador, se comparado a seus antecessores, ao menos alguns elementos em comum unem os três filmes, a começar pela escolha de atores decadentes como foi o caso de Grier e de John Travolta em Pulp-Fiction; a paródia dos filmes de gangster nos dois primeiros filmes e o resgate do imaginário de gêneros periféricos enterrados pelo cinema espetáculo, instaurado com os primeiros blockbusters dos anos 1970, como a saga Star Wars.

Em sua curta trajetória, Tarantino foi precocemente celebrado como gênio para ser julgado, anos mais tarde, por alguns destes mesmos críticos, como um obsessivo iconoclasta e mero deturpador de escolas canonizadas como a Nouvelle Vague. Diante de uma cinematografia tão reduzida e recente, é cedo arriscar veredictos. Resta aguardar o que nos reserva os dois volumes de Kill Bill, mas é inegável que, para o bem e para o mal, à partir de Tarantino, o cinema americano respira novos ares e sobrevoa por horizontes mais amplos. Saber se o jovem diretor vai entrar para o seleto grupo de ítalo-americanos geniais como Scorsese, De Palma, Coppola e Leone é outra questão que só o tempo vai revelar.

*Originalmente publicada na revista Elenco, edição 1 (2004)

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