Reincidente, guitarrista Sérgio Dias reassume o espólio dos Mutantes e lança Haih... or amortecedor. Novo álbum de inéditas soma capítulo infeliz à gloriosa carreira do grupo criado pelos irmãos Baptista.
Ringo Starr convence Paul McCartney a reunir os Beatles e lançarão álbum de inéditas dos fab four em 2010. Kris Novoselic e David Grohl aceitam convite de Frances Bean Cobain, filha de Kurt, e lançam Nevermind Daddy, novo álbum do Nirvana. Absurdos? Oxalá estejamos certos, pois dá medo acreditar que, algum dia, sandices como estas possam ocorrer. Voltemos a 2008, ano de balanço da celebrada “reunião” dos Mutantes. Ao fim da turnê internacional, iniciada em 2007, a despeito do abandono de seu mais célebre tripulante - o cantor, compositor e multi-instrumentista Arnaldo Baptista -, o irmão Sérgio Dias, em momento lóki, anunciou que pretendia continuar conduzindo a nave louca dos Mutantes e preparava material inédito, a ser lançado em 2009. A profecia se fez cumprir e Haih... Or Amortecedor chegou as lojas americanas e europeias no início de setembro. O mercado interno, em uma rara manifestação de bom senso, não deu a menor bola para a atitude tresloucada. Simplesmente, não vai lançar o álbum em terra brasilis. Quem quiser pagar para ter a obra física, vai ter de dispensar alguns dólares ou euros.
Sandice feita, resta agora analisar o resultado. No melhor estilo “assim é se lhe parece” Haih Or Amortecedor sugere roteiro calculado. Os hinos que abrem e fecham o álbum aludem ao velho expediente seargent peppers de prólogo e epílogo, denotando estarmos diante de mais uma obra conceitual. Mas a cada decibel emanado nos falantes, temos a desagradável sensação de deja-vú e paródia. Ecos assombrados de uma história que capitulou com a história. Zélia Duncan, “cereja” do bolo, para a maioria dos fãs antigos que criticaram a retomada em 2007, saltou da canoa e coube a uma espécie de finalista do programa Ídolos assumir a vaga - veementemente, rejeitada por Rita Lee. O grande baterista Dinho Lemos, integrante oficial, à partir do segundo álbum Mutantes (1969), topou a parada. Acrescente-se, às lacunas, mais alguns músicos profissionais, um figurino negro, que dialoga com o corvo estampado na capa do álbum, e temos elenco e imagem pública deste: vale a pena ouvir de novo (será!?), Quanto aos novos temas apresentados, na ausência de compositor e letrista da estatura de Arnaldo, a little help from the friends: o produtivo Tom Zé assina seis letras e Jorge Ben, que à quatro décadas, deu Minha Menina para Serginho injetar decibéis selvagens de fuzz no samba-rock, repetiu a dose de generosidade e tirou do baú a canção O Careca. Pronto: sete das onze canções ganharam grife insuspeita e o que poderia sugerir uma ótima saída para a aparente maior deficiência deste "Mutantes safra 2009" revelou-se apenas mais um elemento dos propósitos dúbios desta retomada.
Defensores de uma nostalgia nociva irão bradar: "Mas os Doors, o Led Zeppelin, The Who, Animals, Kinks, e tantos outros, já fizeram o mesmo. Qual o problema!?" E é exatamente por esse grande histórico de fiascos que a empreitada parece ainda mais descabida e ambiciosa. Não se trata de canonizar Os Mutantes e tombá-los como patrimônio imaterial. Sérgio, Dinho, e os músicos que os acompanham, poderiam ter se contentado em cair na estrada e explorar o incrível repertório acumulado. Pretender dar continuidade a algo que, evidentemente, já teve seu fim assistido, há mais de três décadas, e deixou um legado irretocável, que o mundo todo vem aprendendo a endossar, não é lá "qualquer bobagem", com o perdão da paráfrase, meus amigos. Estejamos certos.
Serginho cresceu nas ruas de uma Pompéia bem informada e jovem, celeiro de bandas de garagem da zona oeste paulista. Criou um estilo pessoal, mas deve ter estudado técnicas e trejeitos de todos seus heróis da guitarra. George Harrison, Jeff Beck, Eric Clapton, Jimi Hendrix, Pete Townshend e Roger McGuinn, certamente, entre eles. Há um pouco de cada um deles em seus acordes, riffs e solos, mas não foi esse gosto apurado que o tornou um dos mais criativos músicos de sua geração. Some-se aí horizontes muito mais amplos. A música nova do maestro Rogério Duprat, a ousadia em estúdio de Manoel Barenbein, os experimentos do irmão Claudio César - que "turbinava” guitarras, pedais e amplificadores -, a companhia de gente articulada em questões direcionais da música brasileira como Caetanto Veloso e Gilberto Gil. A guitarra de Sérgio era feita de seis cordas, mas também de ótimas referências e companhias. Gil, questiona em Pega Voga Cabeludo, de seu álbum de 1968, onde toca e canta acompanhado dos Mutantes: "Serginho, cabeludo danado! Quem foi que lhe disse que você toca guitarra bem, rapaz?" Gil ironiza, mas Sérgio foi muito mais que um grande guitarrista. Como Lanny Gordin e Heraldo do Monte, foi um ícone de seu instrumento e de seu tempo. Justamente por este motivo, teria total autonomia para seguir adiante sem ancorar-se nos Mutantes. Mesmo que fosse em seus álbuns instrumentais, onde poderia lidar com seus melhores predicados e até agradar um séquito mais dócil de fãs, mais afeito à técnica que a estética. À propósito, com este novo álbum, não há dúvidas que passará a ser visto com um pouco mais de desconfiança por boa parte dos fãs da banda de rock mais instigante e criativa que este País já ousou ter.
Sandice feita, resta agora analisar o resultado. No melhor estilo “assim é se lhe parece” Haih Or Amortecedor sugere roteiro calculado. Os hinos que abrem e fecham o álbum aludem ao velho expediente seargent peppers de prólogo e epílogo, denotando estarmos diante de mais uma obra conceitual. Mas a cada decibel emanado nos falantes, temos a desagradável sensação de deja-vú e paródia. Ecos assombrados de uma história que capitulou com a história. Zélia Duncan, “cereja” do bolo, para a maioria dos fãs antigos que criticaram a retomada em 2007, saltou da canoa e coube a uma espécie de finalista do programa Ídolos assumir a vaga - veementemente, rejeitada por Rita Lee. O grande baterista Dinho Lemos, integrante oficial, à partir do segundo álbum Mutantes (1969), topou a parada. Acrescente-se, às lacunas, mais alguns músicos profissionais, um figurino negro, que dialoga com o corvo estampado na capa do álbum, e temos elenco e imagem pública deste: vale a pena ouvir de novo (será!?), Quanto aos novos temas apresentados, na ausência de compositor e letrista da estatura de Arnaldo, a little help from the friends: o produtivo Tom Zé assina seis letras e Jorge Ben, que à quatro décadas, deu Minha Menina para Serginho injetar decibéis selvagens de fuzz no samba-rock, repetiu a dose de generosidade e tirou do baú a canção O Careca. Pronto: sete das onze canções ganharam grife insuspeita e o que poderia sugerir uma ótima saída para a aparente maior deficiência deste "Mutantes safra 2009" revelou-se apenas mais um elemento dos propósitos dúbios desta retomada.
Defensores de uma nostalgia nociva irão bradar: "Mas os Doors, o Led Zeppelin, The Who, Animals, Kinks, e tantos outros, já fizeram o mesmo. Qual o problema!?" E é exatamente por esse grande histórico de fiascos que a empreitada parece ainda mais descabida e ambiciosa. Não se trata de canonizar Os Mutantes e tombá-los como patrimônio imaterial. Sérgio, Dinho, e os músicos que os acompanham, poderiam ter se contentado em cair na estrada e explorar o incrível repertório acumulado. Pretender dar continuidade a algo que, evidentemente, já teve seu fim assistido, há mais de três décadas, e deixou um legado irretocável, que o mundo todo vem aprendendo a endossar, não é lá "qualquer bobagem", com o perdão da paráfrase, meus amigos. Estejamos certos.
Serginho cresceu nas ruas de uma Pompéia bem informada e jovem, celeiro de bandas de garagem da zona oeste paulista. Criou um estilo pessoal, mas deve ter estudado técnicas e trejeitos de todos seus heróis da guitarra. George Harrison, Jeff Beck, Eric Clapton, Jimi Hendrix, Pete Townshend e Roger McGuinn, certamente, entre eles. Há um pouco de cada um deles em seus acordes, riffs e solos, mas não foi esse gosto apurado que o tornou um dos mais criativos músicos de sua geração. Some-se aí horizontes muito mais amplos. A música nova do maestro Rogério Duprat, a ousadia em estúdio de Manoel Barenbein, os experimentos do irmão Claudio César - que "turbinava” guitarras, pedais e amplificadores -, a companhia de gente articulada em questões direcionais da música brasileira como Caetanto Veloso e Gilberto Gil. A guitarra de Sérgio era feita de seis cordas, mas também de ótimas referências e companhias. Gil, questiona em Pega Voga Cabeludo, de seu álbum de 1968, onde toca e canta acompanhado dos Mutantes: "Serginho, cabeludo danado! Quem foi que lhe disse que você toca guitarra bem, rapaz?" Gil ironiza, mas Sérgio foi muito mais que um grande guitarrista. Como Lanny Gordin e Heraldo do Monte, foi um ícone de seu instrumento e de seu tempo. Justamente por este motivo, teria total autonomia para seguir adiante sem ancorar-se nos Mutantes. Mesmo que fosse em seus álbuns instrumentais, onde poderia lidar com seus melhores predicados e até agradar um séquito mais dócil de fãs, mais afeito à técnica que a estética. À propósito, com este novo álbum, não há dúvidas que passará a ser visto com um pouco mais de desconfiança por boa parte dos fãs da banda de rock mais instigante e criativa que este País já ousou ter.
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